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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Educação e dialogismo: O brega será sempre brega?

Educação e dialogismo: O brega será sempre brega?

Paulo Freire concebeu a educação como um processo entre sujeitos. Como ele mesmo diz: “ninguém se educa sozinho”. Freire entende a educação não como um fenômeno que ocorre no interior das instituições de ensino apenas; para ele, a educação é natural a nossa espécie. Somos os únicos animais da natureza que necessitam de educação, logo, a educação natural é a informal, “ninguém chega à escola sem nada”. (Freire, 1987)

O sujeito freireano não é uma tábua rasa, nem é um sujeito que se constrói unicamente pela atuação de profissionais de ensino. O sujeito de Freire chega à escola com uma visão de mundo, uma história de vida, e uma bagagem de conhecimentos adquiridos no convívio com outros seres humanos. O sujeito de Freire é um sujeito que está na situação de diálogo com o mundo e consigo mesmo.

“O diálogo como encontro dos homens para a pronúncia do mundo é uma condição fundamental para a sua humanização”. (Freire, Pedagogia do Oprimido, p.77, 1987)

O sujeito do diálogo ou dialógico não é uma abstração exclusiva de Freire. Antes dele, Bakhtin já o havia visto com muita clareza. Para o educador pernambucano a palavra é portadora de um valor ímpar. Segundo ele, ela constrói a história e desconstrói realidades. É por meio dela que os homens dominam seus semelhantes, e fazendo isso negam a si mesmos. Ademais, está no usa dela a possibilidade de libertação. (Freire, 1987), (Bakhtin, 1981 apud Dieb e Araújo, 2010)

Tanto Freire como Bakhtin expurgam totalmente o monólogo da educação. Ambos entendem que o homem possui essência dialógica. O homem só se torna sujeito no diálogo. O outro para nós é fator constitutivo de nossa subjetividade. Portanto, a educação bancária, como coloca Freire, é uma educação monológica, imprópria para a criação de sujeitos críticos e autônomos, uma vez, que ela possui um professor narrador da realidade. (Freire, 1987), (Bakhtin, 1981 apud Dieb e Araújo, 2010)

Freire percebe que quanto ao uso da palavra a relação entre os homens não é igual. Existem aqueles que fazem uso dela para a dominação, para instaurar o silêncio, um furto da palavra do outro. Ele chama essa atitude de necessidade de conquista. A palavra se volta contra o outro para dominá-lo e sujeitá-lo por um processo de amansamento e alienação. Freire viu que as camadas populares de nossa sociedade eram hospedeiras da palavra do dominador. (Freire, 1987)

Bakhtin entende a língua como diálogo. Ele não a concebe como um sistema fechado que se auto-explica, nem como uma mera expressão do psiquismo do sujeito. Para ele a língua é um lugar de interação humana, um lugar onde se entrecruzam valores sociais de orientação contrária.
Bakhtin considera empobrecedoras estas duas maneiras de conceber a língua, a qual é entendida pelo autor como um lugar de interação humana e, por isso, nos limites de sua proposta teórica, não há espaços para entendê-la como um ato individual, tampouco como uma estrutura fechada em si. Assim, entende a interação humana como “uma arena [...] onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória” (p. 66). (Bakhtin, 1981 apud Dieb e Araújo, 2010)

A visão de Bakhtin conjugada com a visão freireana de educação nos sugere que o processo de ensino e aprendizagem deve ser dialógico, pois seu carro-chefe é a palavra e esta é diálogo por excelência. Mas não foi isso que o educador brasileiro percebeu em sua passagem pela terra. Freire viu que a educação a qual ele chamou de bancária se funda na criação de mitos, no autoritarismo, no monólogo e na concepção mecânica de educação, ou seja, somos enquanto aprendente um depósito de narrativas do mundo, o mundo do outro, e este outro, representado pelo professor, tão alienado quanto o seu discípulo, é o dominador. (Freire, 1987), (Bakhtin, 1981 apud Dieb e Araújo, 2010)

Neste breve ensaio sobre educação dialógica não há a intenção de expor o cruzamento de idéias ente Bakhtin e Freire de forma aprofundada. Nossa pretensão é modesta. No entanto, não posso desconsiderar que tanto um quanto o outro viram a hierarquia do discurso. A semelhança de Foucault, Bakhtin e Freire viram que embora os discursos, não importando seu gênero, se digladiam, se refutam, se afirmam, se negam. Os discursos são como muitas vozes no mundo, são enunciados. O hospedeiro do dominador não o percebe, mas, repassa sua voz adiante, desta forma a ordem do discurso é a do dominador, pois, sua fala não lhe foi roubada, contudo, para Freire esse dominador se anula ao anular o dominado, o mesmo pensa Bakhtin, uma vez que se falo, falo para o outro, se outro não pode falar, eu não existo enquanto ser falante; estou só no mundo.
Nos embates da interação, os sujeitos se instauram a si próprios na medida em que não há uma proeminência de um sobre o outro e, por isso, ambos se revestem de uma postura responsiva ativa (BAKHTIN, [1953] 2000). (Bakhtin, 1981 apud Dieb e Araújo, 2010)

Na verdade Bakhtin não diz que existe hierarquia quanto ao discurso. O discurso, para ele, é polifônico. São muitas vozes no mundo e que a realidade é constituída de vozes que estão nos dizendo constantemente do mundo. Por esta causa não deve haver um discurso se impondo sobre o outro e que o professor deve ter cuidado de não deixar isto acontecer em sala de aula. Uma vez que todos os discursos nos falam do mundo cabe ao professor ter a capacidade de oportunizar ao seu alunado a maior quantidade possível de discursos. Pois assim, seus alunos terão acesso a diferentes visões da realidade. Roubar a fala do outro, na visão de Freire, seria não dar ao educando a capacidade de expressar o seu próprio discurso para que este tenha a oportunidade de conhecer o que sabe de seu mundo.


Assim meus caros, se o discurso é polifônico e a educação comporta diferentes discursos, podemos inferir, então, que o dialogismo freireano é polifônico. Sendo assim, a musicalidade brega enquanto discurso, pode com toda certeza ser usada em sala de aula nos cursos de produção textual nas séries do ensino médio. Isso se sustenta porque a música brega comporta diferentes discursos e por isso diferentes visões de mundo, e isso ocorre de tal forma que Sousa e Leite dizem que se torna muito difícil a classificação desse gênero musical:
Acreditamos que é devido a essas sucessões ambíguas, instáveis e incessantemente re-combinatórias que encontrarmos profundas dificuldades em definirmos com clareza e exatidão, gêneros musicais como a música brega, por exemplo. Esse universo musical está sempre disposto a se transformar, agregando ao seu repertório, uma rede extensa e complexa de referências musicais oriundas de diversas fontes, possibilitando compor em seu universo musical uma heterogeneidade de estilos musicais com o seu hibridismo cultural, o que termina por nos dificultar delimitar com clareza o que seria de fato, a música brega. (Sousa e Leite, Música brega: Um fantasma visível, 2009)

Ademais não resta dúvida quanto à facilidade de sua textualidade. A música brega é considerada brega por alguns porque possui linguagem “chula”; acredito que esta classificação é equivocada, mas, contudo, não deixa de ter uma verdade: Os textos bregas plasmam a língua do povo no papel. Sendo assim, usá-las como ponto de partida nas aulas de produção de texto e literatura seria muito interessante. Quanto ao uso do termo fácil nesse breve ensaio tem apenas efeito didático, pois, devo dizer que o termo em apreço é de difícil classificação no que tange ao léxico, afinal, o que é fácil enquanto palavra no léxico?
Ao compreender o brega como a cópia de um modelo e de um estilo, José (1991) descreve que nessa estética “as estruturas sonoras são organizadas e mantidas sem oposição, provocando nos ouvintes uma pasteurização em que todos os arranjos ganham um mesmo assobio”(p: 134). Outra característica da música brega se refere à simplicidade dos arranjos geralmente encontrados nessa música. Ao fazer uma introdução em seu livro sobre a música brega, Cabrera (2007) nos mostra que esse estilo musical se caracteriza pelas “rimas fáceis e palavras simples, num arranjo musical sem grandes elaborações” (2007, p.08). (Sousa e Leite, Música Brega: Um fantasma Visível, 2009)

Conclusão:
Não compartilhar da idéia de conspiração contra o pobre não é uma virtude, do mesmo modo, acreditar que ela existe não é um defeito. Existem sistemas e discursos que legitimiza uma determinada realidade. Sistemas que educam seres humanos de acordo com sua visão de mundo e os tornam presas fáceis de seus monstros ocultos em seus meandros, becos e vielas. No que concerne a nossa Educação, a História da mesma já nos dá uma grande ajuda para entendê-la. Fica aqui uma pergunta: Se temos acesso a tantas teorias e métodos, por que a nossa educação não nos atende a necessidade premente de nosso país: Consciência crítica? Quem sabe iniciando uma prática de leitura e redação com temas que falam de nossas angustias, manias e fobias, e nos revelam nossa cara bem popular com cheiro de sabão e perfume barato, ou até mesmo o velho francês, nosso proletariado não consiga engatinhando pronunciar o mundo?

REFERÊNCIAS:
Freire, Paulo pedagogia do oprimido, 13ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987
WWW.julioaraujo.com/download/artigo10.pdf
Souza, Vinícius Rodrigues Alves; Leite, Reuel Machado. Música Brega : Um fantasma Visível. (Artigo apresentado no Seminário de Estudos Culturais e Relações Interétinicas. UFS, 2009)

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