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terça-feira, 29 de março de 2011

QUASE NA HORA

QUASE NA HORA
Uma psicografia

As portas do Centro estavam abertas. As pessoas estavam em um pequeno salão defronte ao Gongá. Não havia silêncio perfeito, aquele que é exigido em sessões como aquela, contudo, o clima era de muito respeito. Esperei o momento de tomar o aparelho para os trabalhos da noite. Ele estava muito cansado e a quantidade de pessoas na fila era um número bem significante. Apiedei-me do rapaz e não permiti que os obsessores, que eram muitos, chegassem mais perto dele, salvo um senhor que falecera queimado em um acidente de caminhão. A instituição que se propôs receber-nos necessita de uma reforma moral para que a nossa presença não seja constantemente confrontada com os espíritos trevosos que escapam sorrateiramente pelos dedos de seus guardiões por causa da corrente mental viciada presente no ambiente mediúnico. Toda e qualquer ação que nos envolva deve ser ancorada na pedra fundamental da caridade e em uma vida evangélica que seja capaz de atrair mais fluido positivo de nossos irmãos afins do espaço. Fiquei muito feliz em encontrar a moça cigana que a muito havia se distanciado de seu aparelho. Nós espíritos prestadores de serviços em favor da pessoa humana não podemos agir fora de um contexto verdadeiramente cristão. Para tanto desenvolvam a leitura dos evangelhos e a prática da oração; liberem o perdão aos seus devedores e o amor, a maior de todas as virtudes. Fazendo assim, vossos olhos verão a grande bondade de Deus que cura tanto o corpo quanto a alma.

Gonzalles di Sanches

Tobias Barreto, 17 de agosto de 2009

A VIAJEM

A viajem

Era sábado e Ferreira estava na rodoviária de Tobias Barreto para fazer o que sempre fez aos sábados durante estes últimos 30 anos. Ferreira trabalhava para o Deso e morava em Tobias há trinta anos. Casou com uma moça da terra e nela ficou; fez filhos, criou-os e nunca deixou de jogar dominó em Riachão, sua terra de origem. De Riachão o rapaz nunca se esqueceu. Riachão é uma cidade pequena no centro do sul do estado de Sergipe Del Rei na divisa com a Vila de Campos. A torrezinha da Matriz se avista de longe quando nos aproximamos da pequena cidade da família Dantas. Não sei muito falar desse povo, mas, dizem os antigos, que foi gente muito grande nessas terras de abacaxi doce e bom. Ferreira comprou sua passagem e entrou no ônibus. Este vinha da Bahia às duas da tarde. Era o que fazia a linha Tobias/Aracaju às duas e quinze. O ônibus só atrasava quando a estrada de Itapicurú estava ruim, caso contrário, era muito pontual. Ferreira ao entrar nem percebeu que o carro estava quase vazio, havia poucos passageiros. O costume era nem achar vagas, os carros ficam em menor quantidade no sábado. Um senhor de cabelos grisalhos, pele branca escandinava, olhos azuis e feições nórdicas senta no banco, abre a janela e observa o movimento no Terminal Rodoviário da antiga Vila de Campos. Naquela época a rodoviária situava-se próximo a ponte que divide os dois estados, Sergipe e Bahia. As pessoas colocavam caixas no ônibus, outros conversavam coisas triviais, e assim a cena corria como se tudo que vemos fosse verdade. Tudo estava no seu lugar. E Ferreira também. O rapaz de Riachão pegou no sono esperando o carro sair. Quando o ônibus inicia seu movimento de manobra para sair do terminal Ferreira acorda e volta sua atenção para as pessoas que estão no curso do ônibus, nas calçadas, em frente às lojas. O mundo parece muito normal. Sua pequena viajem rotineira havia iniciado. O interior do veículo fora tomado por um silêncio não habitual. Ferreira olhou as poltronas até onde a vista deu para ver, a quantidade de pessoas era muito pouca. Pensou consigo: “Milagre, pelo menos durmo uns vinte minutos antes de chegar a Riachão”. Fechou os olhos e dormiu. Mas desta feita seu sono foi muito rápido, pois o carro parou no posto de gasolina na saída da cidade para entrar uma senhora com um tabuleiro de acarajé. A moça põe as coisas com a ajuda do cobrador e a viajem reinicia rumo a Aracaju, e no caso do nosso Ferreira, a Riachão. Todos estavam sentados, a estrada estava boa. O dia estava claro. E ferreira estava cochilando com a cabeça encostada do lado direito do carro, o lado que à tarde faz sombra.
- Meninos venham para casa! Gritou dona Franquislane. As crianças correram para dentro de casa, e Franquislane fechou à porteira; era a hora do almoço.
- Meninos, lavaram as mãos?
- Não, mãe, não! Gritaram de volta a meninada.
- Então corram e lavem-se, é mal feito comer com as mãos sujas. A turma toda foi e voltou em um raio. Em cinco minutos todos rezavam a Ave-Maria com a senhora de 45 anos chamada Franquislane. Esta era uma mulher maravilhosa. Bisneta de holandeses que vieram para Sergipe; Franquislane tinha muito para ensinar a seus filhos sobre como viver a vida na prudência dos sábios. Dona Franquislane era da Igreja Luterana, como esta não tinha em Riachão, ela freqüentava a Igreja Católica.
- Agradeçam a Deus pelo pão e comam! Disse Franquislane.
O ônibus parou perto do “pau preto” para um homem entrar. Era um senhor de chapéu preto com a aba um tanto torta na frente. O homem tinha a cara fechada e não saldou a ninguém; ele entrou e sentou sumindo em sua poltrona. O motorista acelera e acorda novamente a Ferreira. Este abre os olhos e avista a Serra da Praça do seu lado direito. “Belos dias de infância”. Pensou consigo o jogador de dominó. Ele olhou para seu relógio e percebe que havia se passado mais de uma hora e nada de Riachão. Ele não havia chegado se quer ao entroncamento do Campestre. “O que foi, será que o relógio está parado ou algum problema, quebrou?” Pensou Ferreira. Olhou para o chão, coçou a testa, encostou a cabeça na poltrona, e se entregou novamente aos cuidados do motorista baiano que iria cruzar Sergipe de sul a norte. A viajem prosseguiu pelas estradas de Campos de Nossa Senhora Imperatriz.

- Você não sabe montar Ferreira? Nem sabe! Disse Everaldo, o filho do marchante, seu Gracindo.
- Eu sei! Eu sei! Sua baleia gorda! Gritou Ferreira.
- Baleia gorda é você, cara de coruja! Você parece uma tapioca, seu filho da peste!
- Filho da peste é você! Psiu! Silêncio! Seu pai vem aí! Disse o menino Ferreira. Os dois meninos que conversavam na baixada perto do riacho que cruza a estrada de acesso a Riachão se abaixaram atrás da moita de capim. E vêem as botas do homem que passava por eles. Nem um dos dois viu o rosto do cidadão.
- Quem era? Perguntou Everaldo.
- Num sei. Disse Ferreira.
- Eu vi as botas e elas estavam sujas de lama. Num sei, não. Continuou o menino. O ônibus passa por um buraco no povoado Saquinho. Com a trepidação do veículo, Ferreira acorda do seu sono. Passa a mão na baba que caía pelo canto direito de sua boca e ver que o carro estava muito atrasado. “Puxa, ainda estamos aqui?” “Deve ser meu relógio”. O homem nem se deu conta que o sol estava começando a enfraquecer. O carro pára novamente e a mulher com o tabuleiro de acarajé desce em Tanque Novo.
- Espera aí, rapaz, deixa eu pegar aqui minha sacola de feijão! Disse a mulher irritada.
A mulher se ajeitou para descer carregando além de sua barriga, o tabuleiro de acarajé. Com certo esforço a pobre senhora desce do ônibus e encontra-se com parentes no beiço da rodagem. Ferreira retorna a posição de antes e pega no sono dizendo para si: “Desta vez quando eu acordar, estarei em Riachão”.
- Ferreira, vá comprar pão!
- Vou não, mãe, vou não! Mande Rubens!
- Menino, você sabe que Rubensvaldo está estudando, não pode ser atrapalhado, vá você, Ferreira! Pelo amor de Deus, seu danado! Ferreira foi comprar os pães. Depois aguardou sua mãe chamá-lo para o jantar.
- Mãe, onde está pai? Perguntou Rubensvaldo.
- Num sei. Ele foi para a malhada e até agora nada.
- Ele deve estar tomando umas pingas antes de voltar para casa. Disse Rubensvaldo esclarecendo as coisas. Ferreira e seu irmão mais velho não se comunicavam bem, a diferença de idade não deixava. Ferreira via o mundo pelo buraco da fechadura. E Rubensvaldo pelos livros de filosofia do curso de Direito. Os dois foram vencidos pelo sono e foram deitar.
- Seu Ferreira! Incomodei-te?
- Não, absolutamente, não. Eu não sabia que estava na viajem. Respondeu Ferreira.
- Rapaz, eu estou precisando muito que você me tire uma dúvida. Disse o senhor de cabelos crespos ruivos e barba curta com um bigode fino no rodapé.
- Pois não. Continuou Ferreira.
- Tem um bode em sua terra que o povo adora. Não é?
- Sim. É o bode Bito.
- Por quê? Como isso aconteceu?
- Rapaz, o bode, sem para que, começou a acompanhar os enterros, por esta causa, as famílias de Riachão passaram a ter o bode como um parente.
- Que coisa esquisita? Mas existe algum motivo que explique isso?
- Levaram o bode para vários psicanalistas e psicólogos e nada. Dizem que pode ter sido apenas resposta mecânica do animal. Algumas vezes quiseram levar o bicho para rituais de magia negra por acharem que o pobre estivesse emacumbado. Enquanto a conversa continua, a viajem segue seu destino. O homem levantou-se e retornou para o seu lugar. Ferreira nem viu que ele usava botas meladas de lama.
- Ferreira, levante e vá para o grupo! O rapaz achou a voz de sua mãe um pouco rouca e pergunta:
- Mãe, por que você está rouca? Por que seus olhos estão inchados? A bisneta de holandesa não se entregava nunca.
- Deixa de frescura moço, levante e vá estudar! Vamos, deixa de moleza! Ferreira levantou-se de sua caminha e foi tomar café, logo em seguida foi para a escola.
Todos estavam descansando no ônibus quando se ouviu um barulho de ferro batendo no outro. O ônibus quebrou o câmbio bem perto da ladeira a um quilometro de Riachão. “Agora não!” “Será que hoje não tem dominó?” Mesmo tão perto da cidade, o homem resolveu esperar o conserto. Pegou novamente no sono.
- Oh, Bito! Oh, Bito! Vá buscar meu pai! Dizia o menino Ferreira subindo a sinistra ladeira do cemitério. O bode continuava na rodoviária e pelo posto de gasolina como era seu costume, nem dava atenção ao moleque. Aquela fora uma manhã muito triste para o jovem Ferreira. Por volta das treze horas saiu a notícia que seu pai, Francisco, havia sido encontrado morto e ninguém sabia a causa da morte. O homem foi levado para o necrotério em Aracaju para perícia. Dona Franquislane chorou amargamente a morte de seu marido. Desde então, lhe caiu o semblante. Até hoje Ferreira vai a Riachão para ver sua pobre velha e jogar dominó. A coitada ainda evita falar sobre o assunto.
- Se não fosse o bode, num sei o que seria de mim! Como assim Franquislane? Perguntou Gorete sua amiga.
- A inocência do animal, e como ele se aproximou de todos aqui. Mulher como é que esse bode sabe que Francisco morreu?
- Num sei mulher, será isso coisa ruim, não?
- Bem Gorete depois que Bito chegou o povo todo se aquietou. Encerrou a conversa sobre o bode, dona Franquislane. De fato o bode havia chegado e logo procurou um canto e ficou em sentinela até o raiar do dia. O caixão de seu Francisco chegou às oito da noite. A lua estava alta e todos da cidade foram curiosos ver Francisco morto. Não se sabe se foi cobra ou o vento. O caixão fora aberto, e não havia marcas no corpo. O homem estava perfeito.
- Mulher, que homem bom! Seu Francisco, partindo tão cedo! Comentou dona Tereza da mercearia.
- Pois num foi comadre, seu Francisco! Coitada de Franquislane. Acrescentou dona Maria.
- Que nada mulher, o homem deixou Franquislane em uma boa. Soube que o homem tinha dinheiro guardado. Mulher respeite o defunto!
Franquislane havia posto os meninos para dormir. Seu intuito era não deixá-los ver o pai morto. Mas menino é menino. Da cama de Ferreira podia-se avistar seu Francisco morto no caixão. Via-se sua boca e a silhueta de sua face. O caixão não era o melhor, mas, um belo caixão. Ferreira olha seu pai morto gretando por entre as cobertas. A visão de seu pai o deixou com medo. O menino entrou em estado de choque. O rapaz tremia na cama como vara verde e ninguém percebeu nada. Naquela situação o menino pega no sono. Ele sonhava com seu pai vivo e que ele corria por um campo muito bonito e limpo. Não havia espinhos ou pedras. A alma do rapaz, finalmente, descansa junto com seu pai. Mas sem razão alguma, a figura paterna se transforma em um monstro com três cabeças. Seus dentes eram tão afiados que quebravam barras de ferro. Ferreira acorda assustado e suado. As pessoas estavam se preparando para a procissão fúnebre. O bode ia à frente chefiando o cortejo, logo atrás, o caixão e os parentes chorando em grupo. O desconsolo era geral. O cortejo sai da casa de dona Franquislane que ficava no pé da ladeira da matriz e passa na Igreja. Ali, estava o padre Paulino, um bom rapaz, que sentiu o chamado do Senhor ainda muito moço. Ele reunia seus colegas debaixo dos pés de manga para brincarem de rezar missas quando era menino da idade de Ferreira. Logo depois foi para Recife estudar teologia, e voltou padre. O bode passa a porta principal da igreja, em seguida, o caixão entra e pára diante do homem de Deus. O padre dá as últimas graças a Francisco e o cortejo desce a ladeira até a estrada do cemitério que ficava em outra ladeira que dava para a estrada de Lagarto. O povo vai se arrumando até que o bode entra no campo santo. Enterraram Francisco, e o bode berrou descendo a ladeira rumo ao posto de gasolina.
- Ferreira! Ferreira! Chamou o motorista.
- Ferreira! Ferreira! Chamou o trocador.
- Ferreira!!! Gritou o motorista.
- Ferreira!!!! Gritou mais forte ainda o trocador.
Nunca se sabe quando a morte vai chegar. Ou onde vamos chegar com ela. No enterro de Ferreira não teve bode Bito. Foram poucos amigos. A maioria era do dominó. A velha Franquislane ficou muito triste com a morte de seu filho caçula. Mas depois com o tempo se consolou com Rubensvaldo. O Dr. Rubensvaldo. Ferreira morreu de infarto num sábado pouco tempo depois que o bode Bito batera as botas, ou melhor, as patas, bem próximo a malhada onde morrera seu pai.

quinta-feira, 24 de março de 2011

A importância da musica brega nas aulas de redação

A importância do uso da musica brega nas aulas de redação

As aulas de redação muitas vezes são atos mecânicos que seguem regras ou técnicas de produção textual deixando para trás uma quantidade enorme de outros sentidos que a produção textual pode apresentar. O aluno é iniciado no ato de escrever por meio de um termo sem sentido para seu mundo. Ou, embora, tendo algum sentido não oferece ligação psíquica e histórica cultural com ele. Uma palavra não pode ser vazia de sentido. Por esta causa é muito aconselhável que as pessoas aprendam a escrever textos usando termos comuns ao seu cotidiano para depois dar um salto lingüístico bem maior. Reconhecer o valor pedagógico dos textos bregas nas aulas de redação não é apenas um olhar crítico, mas, uma ação inteligente por parte do educador.

A teoria de Paulo Freire entende que os homens diferentes dos animais se relacionam com a realidade de forma consciente. O nível de consciência é variável, mas, ter consciência de seu mundo, na visão de Freire, é possível. A educação é uma forma de despertar consciências. A pedagogia de Freire é uma pedagogia libertadora de mentes, pois, ele entende que isso é possível por meio da educação.

Reconhecer as situações limites que envolvem os homens é um passo muito importante para o educador em todos os níveis do processo. Sem esse conhecimento é difícil trabalhar a educação em sala de aula. Para Freire, professor e aluno constroem seu universo de conteúdos. A situação limite diz para as pessoas de seu mundo, de sua realidade. Existem situações no mundo dos homens que é preciso uma repensada. Todos os homens têm situações limites. O fato de não vê-las, no pensar de Freire, é uma situação limite. Ver as situações limites dos alunos inseridos em um lócus geográfico determinado é poder dialogar com o aluno e a comunidade no mesmo idioma.

A situação limite uma vez posta pelos envolvidos no processo de aprender e apreender o real se torna objeto de questionamentos e diálogos. A situação limite então não deve ser sugerida pelo educador, sua descoberta é criação do grupo. O dialogo provocado pela situação limite em apreço pelas pessoas, provoca a discussão de outros temas relacionados a ela. Os temas geradores são geradores de temas que servirão de objetos de discussão e diálogos. O importante aqui é que, esses temas nos remetem a realidade dos educandos e dos seus parentes, ou seja, de sua comunidade.

A musica brega é importante ferramenta nas aulas de redação por causa de sua textualidade um tanto popular. Além do mais, o estilo brega reflete a realidade de muitos de nossos educando, portanto, tem tudo a ver com seus mundos e situações limites. A pedagogia que usa o brega na produção textual faz uso de material muito rico que expressa formas lingüísticas simples e complexas oferecendo ao educador um léxico muito rico para apresentar aos seus alunos. Se considerarmos que o aprender a escrever é um ato artificial e que a escrita é uma reprodução reduzida da fala, então, podemos ver no texto brega um bom começo para o que Freire chama de letramento. Este processo gradual e acumulativo parte de unidades mais simples para unidades mais complexas. O mesmo princípio se aplica a construção de sintagmas; partindo do simples para o mais complexo o aluno vai aprendendo a tecer o texto e plasmar seu pensamento. Ademais, a produção textual brega instiga o aluno ao diálogo, por que o educando já possui uma vivência psíquica com aqueles signos e códigos postos pela musicalidade brega.

Acho muito importante um estudo mais apurado sobre o papel do texto brega na produção textual de alunos do ensino médio. Apriore, posso dizer que estas são as razões que me fazem pensar da importância do texto brega na produção de texto. Em outros textos pretendo colocar mais lenha na fogueira da discussão.

terça-feira, 8 de março de 2011

A Pedagogia Problematizadora de Paulo Freire e a Musica Brega

A Pedagogia Problematizadora de Paulo Freire e a Musica Brega

INTRODUÇÃO

O presente texto não objetiva esgotar a discussão do uso da música brega nas escolas públicas do Brasil. Ele apenas reflete um insight do autor sobre o tema que será discutido em outros artigos. O texto que segue trabalha o olhar freireano de educação e sugere o uso da música brega como recurso didático em nossas escolas. O texto ainda reconhece que a resistência a esse idéia é previsível, mas, vê no educador comprometido com a educação libertadora uma porta a aberta para o diálogo.

O estudo e a vivência em sala de aula, ao longo de quase trinta anos, me tornaram testemunha viva dos meandros da Educação em Sergipe. Hoje, estou em um pequeno povoado do interior do estado, e leciono para crianças da terceira série do ensino fundamental menor. Percebo que eles têm muita dificuldade para entender os conteúdos ofertados pelo livro didático, e até mesmo, o meu discurso. Fica claro aos meus olhos, que o que foi posto por Freire na Pedagogia do Oprimido se aplica a esse problema. Da mesma forma que precisei adequar meu discurso ao mundo daqueles pequeninos, o livro didático, sua linguagem e conteúdos deveriam também ser revisados e modelados à realidade daquela pequena comunidade de camponeses brasileiros.
“Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos num contexto colonial, quase umbilicalmente ligados ao mundo da natureza de que sentem mais partes que transformadores, para, à maneira da concepção “bancária”, entregar-lhes “conhecimento”ou impor-lhes um modelo de homem bom, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos”. (FREIRE, 1983, pg. 99)

O que salta à minha mente, ao observar essa realidade, é que nossas instituições permanecem insensíveis aos clamores feitos pelo grande educador brasileiro. A educação bancária sobrevive apesar de tantas críticas e reflexões feitas em todo o território brasileiro. As teorias que colocam a educação problematizadora, dialogista e libertadora, não foram postas em prática de forma efetiva, e parece que levaremos alguns anos para que isso acorra.

“Quem atua sobre os homens para, endoutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada, são os dominadores”. (FREIRE, 1983, Pg. 99)

Inevitavelmente, entendemos que a dominação em sala de aula continua tanto na abordagem docente quanto nas políticas e ações do governo. A presença da dominação no olhar freireano ocorre por que os dominadores insistem no modelo bancário de educação, uma vez, que este atende aos interesses das elites. A dominação em sala de aula ocorre de forma muito sutil. Às vezes, o próprio docente não percebe que ele é agente e vítima no processo. A dominação se materializa de diversas formas, até mesmo, nos valores estéticos presentes nos livros ou nas discussões em sala de aula, ou na grade curricular que obriga o professor a trabalhar determinados temas que não são temas geradores de problemáticas como pôs Freire em sua pedagogia libertadora.

O que devemos fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação. (FREIRE, 1983, Pg 99)

Uma das formas que vi como válida para aproximar-me dos alunos foi a música. Esta, como todos sabem, pois, é do conhecimento público, atinge as pessoas de forma contundente. A música encanta as pessoas e as faz imaginar seu mundo. A música como, alguém já disse, é uma forma de aproximar as pessoas das outras e de seu mundo. O gosto musical até certo ponto identifica as pessoas com seu lócus existencial. Música e existência andam de forma muito próxima. Por isso, entendo que o uso da música brega muito se identifica com os postulados que inspiram a prática freireana de educação. Primeiro por que sua problemática, também, contempla a realidade daqueles que estão esquecidos nos sertões desse país. Segundo por que é uma música que possui uma textualidade fácil e possível de ser trabalhada em sala de aula com pessoas em fase de desenvolvimento da escrita ou aquelas que mesmo a possuindo, continuam necessitando de encontrar-se em seu mundo concreto. Terceiro por que ela evoca o imaginário daquelas pessoas, e isso quebra gigantescas barreiras para o educador que, de fato, deseja dialogar com o aluno na sua língua, em seu mundo, e discutir com ele seus problemas. A resistência ao uso do brega na escola é evidente. Contudo, se os professores abrissem os olhos para esse recurso didático, ou, se os responsáveis pelos livros didáticos incluíssem esse gênero musical, facilitaria bastante o aprendizado de nossas crianças. Nada melhor do que uma escola nossa! Aquele que vive a realidade de Raimundo, o leiteiro, ou de Joaquim, o carroceiro.

Por isto mesmo é que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante. (FREIRE, 1983, Pg.102)

Não quero dizer com isso que a escola deva reproduzir o discurso de determinado lócus. Pelo contrário, a proposta dialógica de Freire entende que devemos nos aproximar do educando para com isso podermos conduzi-lo à língua do dominador. O diálogo para o educador brasileiro é um diálogo de conflito, de contestação, de desvelamento das contradições com o objetivo de alcançarmos via educação a libertação de ambas as partes: O que oprime e o que é oprimido