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sexta-feira, 27 de julho de 2012

A VITRINE

A VITRINE Eu me levantei cedo aquela manhã de segunda feira. O natal estava chegando. As pessoas encantadas pela fada natalina transitavam para todos os lados no centro comercial da cidade modelo do Brasil – Aracaju – A princesa do Nordeste. Os anos noventa não foram muito bons para a minha humilde pessoa. Engordei, minha mulher saiu de casa e foi morar com um conterrâneo de Carira. A mulher me deixou na mão, sem filhos, sem companhia, e o pior, parece que perdi a fé que vou arrumar outra. Ninguém olha para mim. Será que sou tão desagradável assim? Será que a feiura fez morada nesse filho de Dores? Meu trabalho não ficava distante de minha residência. Por isso eu não pegava ônibus. Ademais, morar no centro me dava a chance de sempre dar uma pequena caminhada pela cidade mais mimosa do Brasil. A Aracaju dos anos noventa crescia na direção sul. Tudo de bom ia para o sul da cidade. Os maiores prédios, os melhores condomínios, as ruas urbanizadas e bem drenadas. O sul de Aracaju se tornou uma referência de qualidade de vida. Contudo, para mim, nada substituía o velho centro. O velho centro me dava ar para respirar. Sempre apreciei caminhar por suas ruas e me sentar em suas praças e ver o povo passar. Como dizia, acordei cedo aquela segunda feira. Tomei a Rua lagarto até a esquina já avistando a praça da matriz. Segui em frente em direção ao meu trabalho no Instituto Histórico. Aquela região tem muitas lojinhas. Todas elas com suas vitrines enfeitadas. Na época do natal ficam ainda mais bonitas. Em uma loja de eletrodomésticos havia uma moça na vitrine limpando tudo com muita atenção e força de vontade. Pela fisionomia da jovem, ela realmente fazia o que parecia estar fazendo. Não sei por que, mas, fui agraciado com a benção de vê-la. Ao chegar ao Instituto, antes de abrir o portão de ferro, levantei a minha cabeça e olhei adiante, por acaso, olhei para rua. Lá, do outro lado, estava a pequena deusa na vitrine cheia de filmes e câmeras. Ela olhou na minha direção. Pensei que ela correspondeu o meu olhar. Então disse eu para mim mesmo: “Certamente você sai às seis. Quem sabe a gente se ver?” O dia no Instituto passou muito rápido. A única coisa que achei chata foi a conversa da zeladora que entrou em minha sala contando-me uma história muito esquisita. Ela disse que saiu na televisão que as pessoas estão morrendo de depressão. Essa doença, segundo a zeladora, vai matar muita gente. - Até os cachorros, seu Elpídio, tem depressão. O cachorro da minha vizinha ficou sem latir dois meses. - É uma coisa muito estranha dona Josefa. Até os bichos têm alma. O relógio de parede do salão principal deu seis horas. Levantei-me, tranquei tudo, e sai em busca do rosto que me deu um dia de alegria. Olhei a vitrine. A moça não estava mais lá. “Perdi o dia então”. Caminhei de volta para casa. Meu corpo estava pesado e meus pensamentos vagos. Nem percebi o transito ou as pessoas. Tudo que queria era chegar a minha casa e tomar um banho frio. Os pardais amanheceram cantando na manhã de terça feira. A Rua Lagarto estava cheia de pessoas indo e vindo. O dia seria longo para muita gente. Rapidamente me troquei, tomei café e segui caminhando para o trabalho. Logo percebi que as ruas estavam quietas. As pessoas passavam com o olhar vago. Eu vi um homem que conversava sozinho, em pé, olhando para um prédio alto. Eu tinha alguns minutos, então, decidi ver o que havia naquele prédio. - Moço por que o senhor está olhando e falando sobre o prédio? - Bom dia! - Moço houve alguma coisa? Quer que eu ligue para a delegacia? - Bom dia! O homem disse bom dia até eu me irritar e segui rumo ao prédio para dar uma olhada. A entrada do edifício não tinha funcionários. Um gato preto deitado sobre o balcão dava as boas vindas aos visitantes. A porta do elevador principal estava ao lado do balcão. Entrei nele, subi uns andares, sai do elevador, e iniciei minha busca. Cada sala tinha uma porta e uma vitrine. A vitrine ocupava o espaço de quase toda a parede. Algumas estavam fechadas outras abertas. Sobre a porta da sala havia um número. Xab89ztw1 era o número da vitrine onde havia bonecos humanos representando um parto, a criança tinha a cabeça exposta saindo do canal vaginal. Seu rosto melado de sangue me chamou a atenção. Afinal, o que é isso? Que loja é essa? Resolvi entrar para ver melhor. Um homem velho, de cabelos espalhados pelo rosto me atendeu. - Bom dia! O rosto pálido do estranho senhor enrugou-se diante de mim. - Bom dia! O amigo passa bem? - Sim, o que o cavalheiro deseja? A voz do homem parecia a de fita cassete com o cabeçote sujo. - Eu estou só olhando. Vocês vendem o que mesmo? O homem tentou explicar, mas, seu rosto enrugava muito. Ele reclamou de algumas dores. Então eu disse: - Ah, entendi. Muito obrigado! Na verdade não entendi nada. O homem falou algo sobre... Sobre o que mesmo? Esqueci o que ele falou. Sua face sofrida me tirou a atenção. O encontro com o senhor rugas me fez lembrar a moça da vitrine. Aquele rosto bonito e moreno de sol se fixou na minha mente. Toda vez que ele aparece, meu coração acelera. A outra vitrine tinha animais de bonecos de espécies variadas. Uma águia bem grande nos dava as boas vindas da vitrine. Havia alguns animais empalhados. Isso me deu náuseas. Abri a porta da sala. Logo na entrada vi um homem sentado numa cadeira de rodinhas de costas para a porta. - Bom dia! O senhor não me respondeu. Tentei novamente. - Bom dia! A mesma coisa. Caminhei na sua direção e vi seu rosto virado para um aquário que estava sobre uma pequena mesa. Sua boca estava cheia de algodão. Seus olhos estavam tão fixos no aquário que as pálpebras não piscavam. Não ouvi respiração no homem. Corri até a janela para vomitar. A janela estava travada. Vomitei no chão. O enjoo parou. A terceira vitrine tinha uma boneca feminina. Ela estava com a boca aberta mostrando os dentes superiores como que estivesse conversando. Aproximei-me da mesma para ver melhor e para minha surpresa o rosto da boneca era idêntico ao rosto da moça da loja de eletrodomésticos. “Mas, como?” “Eu não entendo”. Entrei na sala para falar com alguém. Não havia ninguém. Resolvi então esperar alguém surgir. Sentei-me em uma cadeira defronte o birô e esperei. - Sim, moço? Em que posso ajuda-lo? Uma voz feminina me desperta. O sono me dominou devido o silêncio do prédio. Naquele lugar as pessoas eram totalmente indiferentes ao meio externo. O outro se tornou em uma coisa na sala ou no quarto ao lado. Levantei minha cabeça e vi que a moça que falava com minha humilde pessoa; era a boneca da vitrine, ou, melhor dizendo, era a moça. Será? Tenho que admitir: “Eu não sei?” - Bem, eu vi um homem lá embaixo e decidi ver o que estava acontecendo. Entendeu? - Não! Seja mais claro? - É, Olha! Eu já vou, eu não queria incomodar! Tentei me levantar da cadeira, mas, aquele rosto me grudou de volta nela. O rosto exercia uma força incontrolável sobre mim. “Mas, que coisa linda!” Pensei. - Por que tem um homem empalhado ali na outra sala? - Não, não há homens empalhados aqui. Não vendemos esses produtos. - Você não é a moça da loja de eletrodomésticos? Limpei a voz rouca duas vezes antes de perguntar. - Não, quem você pensa que eu sou? - A moça da loja de eletrodomésticos. - Que loja de eletrodomésticos. A cidade tem tantas lojas de eletrodomésticos e tantas moças. Por que eu seria ela? - É. Pensando desse jeito. É mesmo. Então, já vou. Minha timidez sempre me atrapalhou. Eu queria ficar lá, mas, o meu medo de falar besteira dizia: “Saia da aí!” Ela sorriu para mim. Aqueles lábios rosa me davam água na boca. Aquele cabelo de índia, totalmente natural, sem pintura ou chapa, que beleza! E a fragrância que emanava de seu corpo escultural me prendeu novamente à cadeira. - Temos vitrines de todos os tipos. Até de agência funerária. Aqui fazemos negócios. - Então não há nada de errado aqui? - Não! Acho que não. Nós dois nos olhamos por um instante. Ela me olhava como que me conhecesse e eu fazia o mesmo. A moça se levantou deu a volta no birô e se aproximou de mim. Fixou seus olhos em mim e disse: “Você é real não é?” “Claro!” A moça tirou sua roupa cuidadosamente e sensualmente investiu sobre mim. A cada parte de seu belo corpo desvendado perante meus olhos, o meu velho coração acelerava, e um calor acompanhado de desejos entranháveis esquentava o corpo gordo desse filho de Dores. Ela me abraçou com o desejo determinado de me ter. Eu não resisti aos instintos e cedi ao fogo da paixão. - Seu Elpídio! Seu Elpídio! - Sim! Elpídio passou a mão no rosto, abriu bem os olhos e viu dona Josefa com a vassoura na mão. - Seu Elpídio, já escureceu. Você não vai embora? Elpídio passou pela vitrine onde a moça estava. Não havia ninguém. A loja estava fechada. Elpídio voltou para casa. Tomou banho, comeu alguma coisa. Depois foi para a televisão: “Seca em Sergipe”. “Chacina no Hospital João Alves – Morreram três pessoas”. “O Governo Federal anuncia corte nos gastos públicos”. “A Organização Mundial de Saúde diz que, em 2012, cinco milhões de pessoas morrerão de depressão no mundo”. “O que mais causa a depressão é a solidão segundo a Revista Psycology de Londres”.

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